quinta-feira, 9 de março de 2017

"Maruxa", um livro de Eva Mejuto

Maruxa
Texto de Eva Mejuto e ilustrações de Mafalda Milhões
Editado pela OQO em 2014


Começa assim:

"Maruxa e Zézinho
viviam na aldeia.

Maruxa lavrara,
cosia e varria.
Zézinho folgava,
cantava e dormia.

Mas um belo dia..."

Fonte: interior do livro


“… Maruxa decide dar uma lição ao marido. Astuta e com grande habilidade no uso da ironia, consegue que Zezinho tome consciência de que o trabalho de casa está mal distribuído e, assim, mude de atitude. 

Este livro é baseado na canção popular polaca Maryna gotuj pierogi, uma das mais conhecidas do repertório folclórico do país. Existem diversas versões feitas por orquestras sinfónicas, solistas, grupos de jazz, rock... Este texto, em versos de seis sílabas, procura manter o ritmo da canção original. Tal como a canção tradicional, a autora apresenta a história em forma de diálogo, já que o conto se baseia principalmente na disputa que Maruxa e o marido, Zezinho, iniciam quando este lhe pede que lhe faça pão.




Na versão tradicional, Zezinho reclama uns pierogi, um dos pratos típicos da Polónia (uma espécie de raviólis recheados de carne, vegetais...) e a mulher nega-se repetidamente, alegando que lhe faltam, um a um, todos os ingredientes: farinha, água, sal e carne... Contudo, nesta versão optou-se por substituir os pierogi por pão, um alimento comum a todas as culturas e que permite universalizar a história.    

As diferenças mais significativas relativamente à canção não só se limitam ao alimento principal, mas também ao final da história. Assim, a reação violenta que Zezinho manifesta nalguma versão polaca — quando a mulher, afinal, decide não lhe preparar a comida — é substituída neste álbum por uma atitude compreensiva e de empatia face à esposa, mantendo assim o tom humorístico que carateriza todo o conto. Da versão inicial, a autora decidiu manter e realçar: a ideia original, o sentido de humor, a estrutura acumulativa, versificada e rimada, tão própria de contos e cantos da tradição oral. Este texto permite ser cantado a ritmo de três por quatro mantendo a música de origem.       





De igual modo, o álbum ilustrado oferece o mesmo argumento que a canção: a protagonista alega não poder fazer o pão porque lhe faltam todos os ingredientes (farinha, água, levedura e sal). Então, decide pedir ao marido que os vá buscar. Só que, em jeito de reprimenda instrutiva, vai-lhos pedindo um a um, com o esforço que isto implica a Zezinho.
Um a um, ele vai fazendo todos os recados cada vez mais desmesurados como o de ir buscar sal ao mar, mas depara-se sempre com o facto de voltar a faltar algo e tem de empreender uma nova e esforçada aventura para o conseguir. Quando, por fim, Maruxa tem todos os elementos, diz, ironicamente, que está muito cansada e terá de ser também ele a amassar o pão. Portanto, através do engenho e do sentido de humor, consegue que Zezinho entenda, por experiência própria, a injustiça da situação que ela vivera até então, e compreenda que, tanto o trabalho como o lazer, devem ser coisa dos dois.

Este é a verdadeira base da história: a mudança de atitude de Zezinho em relação a Maruxa, que se evidencia e reforça através do trabalho da ilustradora portuguesa Mafalda Milhões. A artista portuguesa revela esta evolução da personagem nas folhas de guarda, capa, folha de rosto e folha da ficha técnica. Nelas, o leitor encontra uma contextualização prévia e posterior à ação do texto, que realmente se produz num só dia, tal como indicam as refeições (pequeno-almoço, almoço, lanche e jantar), e a luz das imagens (que vão da claridade própria do amanhecer, até ao azul-escuro quase preto do céu ao fim do dia).         




Deste modo, nas folhas de guarda do início do álbum, pode ver-se uma Maruxa totalmente entregue às tarefas domésticas, enquanto que Benito, preguiçoso, não colabora em absoluto. Um comportamento que se transforma radicalmente nas folhas de guarda do final onde participa nos trabalhos de casa e ajuda a sua mulher. Na contracapa, os dois comem, felizes, o pão, que aparece pela primeira vez já feito.        

As ilustrações de Mafalda Milhões também nos fornecem informações-chave acerca dos protagonistas. Ao caraterizá-los com traços hiperbólicos, descobrimos com clareza quando estão aborrecidos, tristes, a tramar alguma… De igual modo, não faltam nas páginas deste álbum os pormenores, tão caraterísticos na artista portuguesa, que transportam o leitor para o universo da cozinha e da Polónia (moinhos, paisagens e bairros típicos polacos), tal como a presença constante do cãozinho que os acompanha e que, de certa forma, é cúmplice da situação.

Para além disto, a ilustradora, piscando o olho ao leitor, decide jogar com a descontextualização, tanto nos muitos objetos e eletrodomésticos que podemos descobrir na casa do casal (reprodução de um lar tradicional, mas em que há máquina da roupa, computador…), como na própria protagonista. Assim, Maruxa, apesar de cozinhar e limpar, não deixa de ser uma mulher atual e moderna, que usa as novas tecnologias e luta pelo reconhecimento dos seus direitos. Em todo o momento, tanto o texto como a imagem procuram transmitir uma mensagem onde o sentido de humor é protagonista, ao mesmo tempo que pretendem deixar um ensinamento para a reflexão dos pequenos leitores: sabermo-nos pôr na pele dos outros ajuda-nos a ver as coisas de outra perspetiva, criar empatia com eles e, consequentemente, sermos mais justos e mais solidários."

Fonte: OQO Editora

Livro disponível na rede de Bibliotecas do concelho de Arganil
Boas Leituras!



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